segunda-feira, 20 de julho de 2009

Metodologia - na teoria ou na prática?

Um edifício chamado conhecimento.

O mestre sabe tudo

Filósofos e pesquisadores procuram explicar, de diferentes maneiras, como o ser humano atinge o conhecimento, como adquire a linguagem, desenvolve o pensamento.
Bacon, Locke e Hume, filósofos empiristas, acreditavam que o conhecimento se forma na mente do indivíduo principalmente por meio da informação sensorial: tudo passa pelos sentidos.
Para os empiristas, de início a mente estaria vazia como um espaço em que as experiências poderiam ir sendo impressas. Com base nessas idéias é que se considera a mente da criança uma folha de papel em branco, na qual o professor pode escrever o que desejar. Idéia semelhante é a que compara a mente da criança a uma massa bruta e o professor é um artista capaz de moldar caracteres de acordo com sua vontade.
A forma empirista de pensar tem levado muitos professores a tratar o aluno como aquele que nada sabe, tem a mente vazia, enquanto ele, o professor, é o que sabe o possuidor do saber.
Assim é o mestre que escolhe o que, como e quando ensinar. Ele “dá a matéria”. O aluno recebe.
O conhecimento, desse modo, se torna algo estático, que pode ser estocado e que será transmitido para o aluno, o sujeito passivo.
Como não é possível “despejar” tudo de uma vez, o professor vai ministrando o conteúdo aos poucos, cabendo ao aluno ir armazenando os tópicos recebidos para depois reproduzi-los, principalmente nos exercícios e nas provas.
O ensino, nesse caso, está centrado na palavra e nos símbolos, e não na interpretação, no raciocínio e na compreensão. Ensina-se por meio de perguntas e respostas que devem ser sempre aquelas que o professor espera. Valoriza-se o produto, reforçando-se a repetição, a cópia, a memorização e a fixação de conteúdos.

Uma das mais sérias consequências políticas da aplicação de concepções empiristas na escola tem sido a formação de sujeitos passivos diante dos conhecimentos, dos fatos e da sociedade.
Outro aspecto preocupante é que o ensino torna-se quase sempre cansativo, desestimulador, rotineiro, descontextualizado, isto é, desligado da realidade social, o que pode resultar em massificação, anulação de pensamento divergente e da criatividade.


Capacidades Inatas

Em contraposição à teoria empirista, filósofos racionalistas, como Descartes e Leibniz, afirmavam que o conhecimento é resultante da razão pura. Para eles, nem sempre somos capazes de perceber tudo por meio dos sentidos, pois podemos ter ilusões perceptivas.
Além disso, conhecimentos abstratos, como os conceitos matemáticos, são baseados no raciocínio, e não em informações sensoriais. A capacidade de conhecer seria inata, isto é, o sujeito já nasceria com a capacidade de raciocínio. O conhecimento estaria, portanto, pré-formado na mente.
O professor que adota rigidamente esses conceitos desconsidera as possibilidades de desenvolvimento cognitivo oferecidas pelo meio. Para ele, o aluno nasceu ou não com a capacidade de conhecer.
Na prática, um dos resultados do trabalho pedagógico baseado no racionalismo e no inatismo tem sido condenar ao fracasso os alunos que não demonstram já saber desde os primeiros dias de aula a linguagem, os valores e os conhecimentos prévios considerados corretos e adequados pela instituição escolar.
Como poucos demonstram essa competência, a grande maioria enfrenta dificuldade no processo escolar, principalmente os alunos provenientes das camadas mais pobres da população, quase sempre estudantes de escolas públicas, de periferia ou de zona rural.
Outro aspecto político preocupante é o fato de se manter a formação de uma elite privilegiada que detém o saber e o poder. Com isso, continua-se a oferecer uma escola pobre para os pobres.

Piaget: em busca de sujeitos ativos

Sintetizando concepções empiristas e racionalistas, Jean Piaget tenta explicar o conhecimento como um processo de interação entre o que está fora do indivíduo e o que ocorre dentro dele. O conhecimento é construído e desconstruído a todo o momento.
Piaget demonstra, por exemplo, que numa experiência de despejar um líquido de um recipiente largo para um recipiente estreito, uma criança, utilizando apenas os sentidos, irá dizer que a quantidade de líquido no recipiente estreito é maior. O pensamento de que, se nada foi acrescentado ou derramado, a quantidade continua a mesma, envolve um raciocínio que vai além da percepção sensorial. Para raciocinar sobre a conservação do líquido, não basta ver a ação de despejá-lo de um recipiente para o outro. É preciso também comparar os recipientes e estabelecer uma relação lógica entre a diferença observada e a quantidade de água despejada.
Quando a relação lógica é estabelecida, a criança não sente necessidade de comprovar seu ponto de vista Mas se, ao contrário, ela ainda não compreende logicamente a ação percebida, tem necessidade de realizar inúmeras experiências, para reafirmar sua percepção empírica.

Por uma teoria do conhecimento

O professor que utiliza os princípios de Piaget em seu trabalho considera o aluno como um sujeito ativo, capaz de estabelecer relações lógicas, isto é, capaz de pensar, raciocinar, construir internamente o seu conhecimento, o que requer experiências, vivências, interação da criança com tudo aquilo que ela deseja conhecer. Suas ações devem estar voltadas para a necessidade lógica de antecipar idéias (formular hipóteses), comparar, comprovar percepções, tirar conclusões. Para isso, não basta manipular objetos!
Além da experiência com o concreto, é preciso que a criança pense sobre suas ações, estabeleça relações lógicas. Ao seriar, classificar ou agrupar objetos, por exemplo, ela pode ser incentivada a explicar como pensou o que fez o que aconteceu.
Assim, a prática construtiva está voltada para a operatividade do aluno, isto é, para o desenvolvimento de seu raciocínio. É o mecanismo por meio do qual o sujeito incorpora um conhecimento novo a seus conhecimentos anteriores, utilizando-se de esquemas mentais já construídos e que vão sendo modificados pela assimilação de novos conhecimentos.
Ao interagir com um novo objeto do conhecimento, o indivíduo modifica-se, acomodando suas estruturas, isto é,transforma conceitualmente os objetos e transforma a si mesmo (porque altera seu esquema mental).
Uma criança que ainda não sabe ler, por exemplo, ao interagir com textos não discrimina os sinais gráficos. Todos lhe parecem iguais, ela não relaciona os símbolos com a fala. Conforme vai assimilando percepções e estabelecendo relações lógicas, porém, começa a ver o texto de forma diferente. Agora, o significado do texto é outro, isto é, o objeto foi modificado em seu ponto de vista, e a criança também se modificou, porque tem um novo esquema mental em relação a ele. Já é capaz de estabelecer relações entre sinais gráficos e som da fala, já sabe dar significado ao texto – já sabe ler.


Importância da Psicogênese

Para chegar a esse processo de adaptação em relação ao conhecimento do texto, a criança passa por muitos momentos de dúvida, incerteza, confusão – momentos que Piaget define como conflitos.
A psicogênese serve como ponto de partida, como indicador de interferências e mediações do professor, e não para classificar crianças segundo sua capacidade e desempenho, centrando o trabalho pedagógico quase exclusivamente no desenvolvimento intelectual.
Uma preocupação excessiva com o cognitivo, com o crescimento individual do sujeito, pode desqualificar aspectos fundamentais como a afetividade, a criatividade, o desejo, o prazer, a fantasia e a necessária relação do conhecimento com o contexto sociocultural do sujeito.
A teoria de Piaget oferece ao professor uma compreensão do processo de formação do conhecimento científico e dos limites e possibilidades individuais da criança, mas é preciso levar em conta que as condições de vida, a cultura e o meio social também interferem na forma de perceber e de interpretar a realidade e, portanto, na relação com o conhecimento.
É preciso atenção às possibilidades e limites de aplicação da teoria piagetiana.



Texto retirado da apostila de formação de professores do Colégio Espírito Santo – Bagé, RS – 2005.

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